O Racismo, a Ordenação da Mulher e a Vergonha

O Pai do meu sogro foi a África justo no final da segunda Guerra Mundial como missionário Adventista do Sétimo dia. Durante a guerra, viajar da América ou Europa para África não era seguro,

Durante a guerra, viajar para a África da América ou Europa não era seguro, e os missionários e funcionários que estavam dirigindo o ministério África ficaram presos por lá muito mais tempo do que tinham planejado. Assim, quando o pai do meu sogro e sua família chegaram na África, eles descobriram que praticamente todo os funcionários Adventistas já haviam marcado datas para voltar a suas casas. Ele ficou praticamente sozinho, e logo foi nomeado presidente da Missão Gold Coast, Gana atualmente.

O pai do meu sogro era um homem de visão, e ele sentiu que os nativos podiam e deviam dirigir seus próprios ministérios. Assim imediatamente fez arranjos para que houvesse pastores e evangelistas africanos, e pôs vários deles em postos de liderança, os quais tinham vocação.

As comunicações não eram rápidas naquela época, e demorou um certo tempo para que a igreja Norte-Americana e da Europa soubesse o que estava acontecendo por lá. Quando eles souberam houve muita frustração. Pessoas NEGRAS no ministério pastoral em postos de liderança? Eles não puderam suportar. Mas já era tarde. A mudança já tinha tempo que estava em andamento e o ministério na África continuou tendo pastores africanos e lideres também.

É impactante saber atualmente que no passado os cristãos inclusive Adventistas Do Sétimo Dia, manifestavam oposição as ideias de estender o pastorado e a liderança as pessoas negras na igreja. No entanto, assim era , a maioria deles eram contra. Infelizmente o racismo era completamente comum neste tempo, mesmo na igreja.

Em 1943 Lucy Byard, uma mulher negra Adventista, foi levada por uma ambulância ao Sanatório e Hospital Adventista Washington em Takoma Park, Maryland para que recebesse cuidados médicos imediatos. Você deve pensar que levar uma senhorita Adventista a um hospital Adventista seria uma boa solução, mas já no hospital quando souberam que ela era negra se negaram a atende-la. O hospital nem sequer deixou que usasse a ambulância para transferi-la a um hospital de ‘’negro’’ perto da fronteira do estado. Lucy Byard morreu e a culpa caiu principalmente sobre o racismo Adventista do Sétimo Dia.

Talvez você pense que dado que a bíblia apresenta de que em Cristo não há ‘’judeu nem grego’’, não deveria haver lugar para o racismo dentro do Cristianismo. Mas os colégios Adventistas se negavam a admitir estudantes negros, e o refeitório em Review and Herald não servia a clientes negros.

Graças a Deus temos reduzido grandemente esses problemas, e nossa igreja faz um melhor trabalho ao praticar o que diz a bíblia sobre a igualdade de todas as raças em Jesus Cristo. Mas quando lemos as histórias sobre como os membros de nossa igreja naquela época eram racistas, nos sentimos envergonhados. Nos sentimos envergonhados por nossa igreja como corpo coletivo, no entanto, também é vergonhoso saber que membros individualmente praticam a descriminação dentro da igreja. Nos sentimos envergonhados por eles e deles.

Quando penso em meus avós tentando explicar a seus netos e seus bisnetos como eles pensavam que a segregação racial era uma ideia Cristã, lamento por eles. Hoje seus netos sabem que não importa quais desculpas culturais se façam, a raiz do problema era o racismo. E seus netos ficaram envergonhados deles.

Tenho lutado com muita revolta sobre a forma como a ordenação da mulher tem sido tratada em nossa igreja. E a revolta ainda está aqui, mas recentemente está mesclada com uma boa dose de lamento. Devido que de igual forma ao racismo, aqueles que defendem o machismo vão passar por maus bocados explicando aos netos como na terra eles uma vez pensaram que sua posição era bíblica. E seus netos vão ficar envergonhados deles.

Os paralelos entre estes assuntos (a oposição a integração racial e a oposição a ordenação da mulher) são muito próximos. Os racistas na década de 1940 pensavam que sua posição também era bíblica.  E por razões similares. Os racistas apontavam a maldição de Noé sobre Canaã e declaravam que isso provava que Deus queria que as raças de pele escura fossem inferiores. Um argumento que tem a mesma quantidade de sentido quanto indicar que a maldição de Deus sobre Eva no Éden prova que as mulheres nunca possam ser pastoras. Ambos os argumentos ignoram completamente o fato de que as maldições de Deus frequentemente explicam o que vai acontecer como resultado do pecado, e não o que Deus quer que aconteça.

A consequência natural do pecado de Adão era que seu trabalho ao prover alimento se tornaria muito mais difícil. Mas esse não era o desejo de Deus, a maioria dos cristãos não apresentam objeções quando os agricultores modernos encontram maneiras de reduzir o ou eliminar as dificuldades (enquanto eles não acabar por envenenar-nos). Ninguem nunca disse não façam isso Deus ordenou que fosse difícil.

E ainda assim, tenho escutado muitas vezes que Deus ordenou que as mulheres estejam submetidas aos homens. Mas a maldição é muito similar. Deus disse a Eva qual seria o RESULTADO do seu pecado. Não sabemos como era o plano de Deus antes do pecado, mas depois, obviamente, as cabeças dos bebes humanos ao passarem por uma passagem tão estreita no parto, provocaria muita dor e perigo. Até pouco antes dos tempos modernos o parto era o assassino número 1 de mulheres.

Mas quantas vezes você ouve alguém dizer que se opõe ao uso da anestesia moderna porque ‘’evita a maldição de Eva’’. Não riam, quando a anestesia começou a ser usada, alguns homens se opuseram exatamente por esta razão. Eles diziam que as mulheres deveriam ter partos dolorosos e evitar ir contra os mandamentos de Deus.

Não acontece o mesmo ao dizer que as mulheres devem estar submetidas aos homens?

A maldição de ‘’Ele te dominará’’ é uma consequência natural do pecado de Eva. Quando estivesse gravida, é quando ela ia precisar principalmente de ajuda externa. E quando não estivesse gravida, para poder ter filhos com cabeças grandes ela ia precisar de uma estrutura óssea diferente do homem. Como consequência ela não teria a mesma força física. O pecado criou um mundo regido pela lei do mais forte. Como resultado ela descobriu que estava forçada a permanecer numa posição de submissão.

Este NÃO era plano de Deus, e sim uma consequência natural do pecado. Eva foi criada de uma das costelas de Adão, porque deveria permanecer ao seu lado, não abaixo dos pés. Adão tinha muitas criaturas submissas, ele necessitava de uma companheira, e Deus lhe deu uma que estava além de seus sonhos mais bem elaborados. É uma vergonha que o pecado tenha provocado que os descendentes de Adão tenham subestimado e maltratado este dom.

Os Cristãos a favor da escravidão justificavam seu racismo ao apontar textos que dizem ‘’servos, obedeçam a seus senhores’’, da mesma maneira que muitas pessoas atualmente se opõem a ordenação da mulher com textos que dizem ‘’esposas obedeçam seus maridos’’.Deem atenção a quão parecidos estes textos são entre si: Servos, estejam sujeitos a seus senhores ((Efésios 6:5; Colossenses 3:22; 1 Pedro 2:18); Esposas, estejam sujeitas a seus esposos (Efésios 5:22-24; Colossenses 3:18; 1 Pedro 3:1).

Textos muito similares, um ao lado do outro, e ambos utilizados para dizer que Deus pretende que umas classes de pessoas estejam submetidas a outra classe. No entanto ambos os grupos se negam a reconhecer o comentário de Jesus sobre o divórcio:

Ele disse: ‘’Por causa dureza do coração de vocês, Moisés os permitiu repudiar as vossas mulheres, mas no princípio não era assim. E eu vos digo que qualquer que repudiar a sua mulher, salvo por causa de adultério, e se casar com outra, comete adultério, e aquele que se casa com a repudiada, adultera. ‘’ (Mateus 19:8-9)

Jesus esclareceu que algumas regras são dadas não porque são da maneira como Deus quer que as coisas sejam, mas por causa da dureza do coração humano. Deus não quer o divórcio, mas no tempo de Moises, os esposos simplesmente lançavam a suas esposas de suas casas, e elas não tinham muitas opções entre prostituir-se ou morrer de fome. Uma regra que proibia isso foi feita, igual a muitas outras regras de Deus que são em sua maioria ignoradas. Assim Deus lhes deu uma regra mais simples, que exigia um divórcio oficial, para que assim as mulheres pudessem ao menos casarem-se novamente. Isto melhorou grandemente a sorte das mulheres, e levou o povo de Deus alguns passos mais perto de onde Ele quer que estejam. Mas o divórcio NÃO era seu Plano, Ele só o permitiu devido a cultura cruel extrema daqueles tempos, ‘’devido a dureza dos corações’’.

Atualmente a grande maioria dos cristãos reconhecem que as regras de Deus sobre a escravidão não foram dadas porque Deus aprova que um ser humano seja é dono de outro, mas em razão do mesmo que se dá como a lei do divórcio, foram dadas por causa da dureza dos corações de pessoas. Deus sabia que haveria escravidão, então ele deu instruções que iria ajudar reduzir a miséria que provocaria a escravidão.

Poucos cristãos hoje iriam tentar argumentar que a Bíblia apoia escravidão como algo bom, e agradeço a Deus por isso! Mas me surpreende quando alguém quer tomar textos ao lado daqueles usados um dia para defender a escravidão, que tratam do lugar da mulher na sociedade, e considera-os como parte do plano de Deus.

Cristãos a favor da escravidão declaravam que defendiam a Bíblia ao praticar seu racismo, mas na realidade eles estavam desesperadamente defendendo seus próprios preconceitos. E isso é claramente óbvio para a maioria dos cristãos hoje. Textos sobre submissão das mulheres são idênticos aos textos sobre a escravidão, e as tentativas de usá-los para submeter as mulheres são igualmente vergonhosos.

Outro texto que foi abusado horrivelmente para apoiar o racismo é Atos 17:26

” E de um só sangue fez toda a geração dos homens, para habitar sobre toda a face da terra, determinando os tempos já dantes ordenados, e os limites da sua habitação”(Atos 17:26)

As Pessoas que apoiaram a segregação racial usaram este texto para dizer que Deus tinha estabelecido limites onde cada raça deveria viver. Assim, os chineses deveriam ficar na China, Os Árabes na Arábia e os Africanos deveriam permanecer na África. Bob Jones, um Pregador cristão, até se atreveu a dizer que seria melhor jogar todos os escravos da América para a África (mas como missionários, é claro!). Vocês podem se dar conta da maneira extremamente inconsistente de interpretar esse texto. Se Bob Jones REALMENTE acreditava que a bíblia afirma que todas as raças devem permanecer em seu país de origem, então por que ele estava sugerindo que somente os africanos que viviam na América do Norte é que deveriam voltar à África, mas não que todos os europeus que viviam na América do Norte deveriam voltar para a Europa e deixar suas terras para os nativos americanos? É claro que não sugeriu isso, porque não cria realmente que Deus ordenava aos povos que não deixassem o país de origem de suas raças. Como poderia? O texto é uma citação de Paulo, um judeu, falando da Grécia! Não, Pastor Jones estava apenas usando um elemento desta interpretação do texto para apoiar suas crenças racistas, e deixar de lado todo o resto.

Da mesma forma, aqueles que se opõem à ordenação de mulheres fazem o mesmo:

“Eu não permito que a mulher ensine, nem use de autoridade sobre o marido, mas que esteja em silêncio” (1 Timóteo 2:12)

Eles citam isso como uma passagem-chave em sua oposição a mulheres pastoras ordenadas, mas como Pastor Bob Jones, eles não acreditam REALMENTE em sua própria interpretação deste texto, por isso não o aplicam de forma consistente. Eles usam-no para se opor a ordenação de mulheres, mas eles não seguem essa interpretação à sua conclusão lógica e nem insistem que não pode haver professores da Escola Sabatina. Deveriam se opor a haver mulheres dirigindo o serviço de canto, e em qualquer posto eclesiástico que tenha algum tipo de autoridade, e que a nenhuma mulher deveria ser permitida falar na igreja. Ponto.

Agora, admitamos, há alguns cristãos que gostariam de ver as mulheres proibidas de falar ou servir na igreja. E creio que alguns deles estavam no Congresso da Conferência Geral deste ano. Mas, a grande maioria das pessoas que estão usando este texto como prova de que a ordenação de mulheres é uma ideia equivocada, não se opõem a que as mulheres falem na igreja ou sirvam em outros papéis.

Eles não podem consistentemente interpretar o texto dessa maneira, porque seria muito evidente que isso violaria o resto da Bíblia. As profetisas, tanto da bíblia como em nossa igreja, obviamente falavam o na igreja e com autoridade. Paulo reconheceu o valor do ensino da mãe e da avó de Timóteo. Em Atos 18:26, Paulo diz-nos que tanto Priscila quanto Áquila (Priscilla é mencionado primeiro) ensinaram Apolo. É óbvio que este texto não pode significar que as mulheres não têm permissão para ensinar ou exercer autoridade.

É muito interessante que a palavra traduzida como “autoridade sobre” em grego é authentein, e não é usada em nenhum outro lugar na Bíblia. Há muitas palavras gregas para “autoridade” ou “domínio” que Paulo poderia ter usado. Exousia é uma das mais comuns, no entanto a lista é longa. Mas Paulo não usa palavras comuns, usa essa palavra “authentein” estranha, rara e atualmente difícil de traduzir.

As fontes gregas para esta palavra na época em que Paulo escreveu isso são poucas, mas elas não implicam autoridade ordinária. A forma substantiva da palavra é usada no contexto de homicídio e suicídio. Os poucos usos na forma verbal sempre parecem ter o significado de “dominar”.

É claro que Paulo devia estar tratando algum problema específico na igreja em Éfeso. Possivelmente com alguma seita que não ensinava a igualdade, mas a superioridade das mulheres. Mas seja qual for o significado das palavras de Paulo, como temos muitos exemplos de mulheres que falavam na igreja, mulheres que ensinavam a homens e muitos exemplos de mulheres em posição de autoridade na Bíblia, não podemos interpretar isso como que Paulo proíbe as mulheres de ensinar, ou falar com autoridade e ser coerentes com o resto da Bíblia.

E não podemos interpretar este texto como proibição da ordenação de mulheres, sem interpretar também como proibição as mulheres de falar, ensinar e ter algum tipo de autoridade na Igreja. Igual como se dá na interpretação racista de Atos 17:26, nós temos que ser consistente ao interpretar textos bíblicos.

Na verdade, a própria raiz do problema de tentar usar a Bíblia para excluir as mulheres do ministério é a mesma que se comete a defender uma doutrina de ordenação que não é bíblica em absoluto, mas sim Católica. Desta forma, Tratar a ordenação como um sacramento, algo que concede “poderes”, em vez de uma cerimônia simples, um ritual que reconhece e nos lembra de algo que Deus já fez. No Novo Testamento, a ordenação não é algum tipo de concessão mágica de autoridade e poder, mas apenas o reconhecimento público de uma chamada que Deus já fez.

Da mesma forma que o batismo não salva, mas é apenas o reconhecimento da salvação que Jesus lhe deu. É especialmente estranho ouvir algumas pessoas argumentarem que as mulheres nunca devem ser autorizadas a ser ordenadas ou batizar pessoas, quando não só a nossa igreja já permite que mulheres pastoras batizem, mas também um fato muito mais importante é que não há absolutamente NENHUMA restrição bíblica sobre quem pode batizar pessoas.

A única coisa que os regulamentos de nossa igreja negam oficialmente a nossas mulheres pastoras são:  organizar e unir igrejas, ordenar anciões e diáconos, e ocupar altas posições de liderança. E, novamente, não há um só texto na Bíblia, Não Há UM SEQUER que limita essas coisas para aqueles que são ordenados. Tratar a ordenação desta forma não é bíblico. Mas deriva dos sacramentos da Igreja Católica utilizados para colocar os sacerdotes acima dos leigos. A Bíblia não apoia uma separação assim no Novo Testamento.

“Vocês, porém, são geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo exclusivo de Deus, para anunciar as grandezas daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz.” (1 Pedro 2: 9)

” Tu os constituíste reino e sacerdotes para o nosso Deus, e eles reinarão sobre a terra”. (Apocalipse 5:10)

Somos agora um sacerdócio de crentes. E dentro do sacerdócio de todos os crentes ” Não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus. ” (Gálatas 3:28)

Nós, como Igreja, de fato rejeitamos a ideia horrível de tentar defender o racismo usando a Bíblia. É tempo de rejeitar as tentativas infelizmente semelhantes e igualmente falaciosas para defender machismo usando a Bíblia. Nossa igreja hoje claramente declara e pratica que as pessoas de todas as origens raciais são bem-vindas.

Atualmente, temos pessoas de praticamente todas as raças, como pastores e líderes da igreja, porque reconhecemos que não são os seres humanos que chama as pessoas para cargos ministeriais e de liderança, mas Deus. E Deus pode chamar qualquer um que quer.

É hora de dar um passo em frente no reconhecimento de que Deus pode chamar as mulheres para os cargos ministeriais e de liderança na mesma maneira que Ele pode chamar os homens. Com a ordenação, não criamos um chamado nem outorgamos autoridade para alguém simplesmente reconhecemos publicamente um chamado que Deus já deu. É dEle o chamado, não nossa. E Ele é livre para chamar pessoas de qualquer raça e gênero que Ele deseje.

Eu acredito em ter mulheres como pastoras ordenadas, porque a Bíblia diz-me que os últimos dias, Deus derramará seu Espírito sobre todas as pessoas, homens e mulheres igualmente. Acredito em tratar pastores e pastoras da mesma forma, porque a Bíblia me diz que não são seres humanos que chamam as pessoas para o ministério, mas Deus. E se Deus escolhe chamar uma mulher, Quem sou eu para tentar limitar o seu ministério?

Eu acredito em apoiar a mulheres pastoras completamente iguais porque um dia, se o mundo durar tanto, meus netos podem me perguntar como me posicionei quando a igreja decidiu como tratar as mulheres que Deus chama para o ministério. E quando responder, eu não quero que eles se envergonhem de mim.

Por Donald Hines

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